terça-feira, 7 de dezembro de 2010

SOBRE OS ANJOS




SOBRE OS ANJOS

Quando acordei e antes de abrir os olhos, em um pequeno intervalo de tempo, entre o verdadeiro despertar, senti uma felicidade imensurável. Talvez antes de acordar meu rosto já sorrisse. Nesse momento intercalar, entre dois mundos distintos, me sentia tão feliz.

Foi por causa do sonhe que tive durante o meu sono.

Sonhei que anjos voavam sobre minha cabeça em um ritual hipnótico. Anjos de todas as cores, brancos, negros, azuis, amarelos... Eles riam muito e eu ria muito por causa deles. Eles me contaminavam com tanta alegria, era uma alegria infantil, daquelas de recém nascido. Os sons daqueles sorrisos perpetuavam por todo o imenso céu dourado. Em assas brancas, puramente brancas, eles sorriam pra mim. Eu fiquei tão encantado em olhar para cima que não me encomodava com o que acontecia com os meus pés. Não sei ao certo porque não olhei para baixo em nenhum momento. Ma sentia como se eu estivesse sobre cacos de vidro ou espinhos. Muitas pontas penetravam nos meus pés. O incomodo apenas fazia com que eu pulasse cada vez mais alto e ampogasse cada vez mais os anjos a girar mais rápido e a rirem cada vez mais alto.

Antes de despertar, lembro da última cena: estava exausto de pular e da dor, embriagado pelo o vôo hipnótico dos anjos e seus risos infantis. Mas juntei toda a minha força que restava e saltei o mais alto que o impossível permitia e eles deram o riso mais alto que conseguiam, um riso que misturado virou um imenso grito.

Despertei, mas sem abrir os olhos. E sorri. E pensei como é bom sonhar com anjos e suas imensas assas brancas, puramente brancas, gloriosamente brancas.
Com os olhos abertos, a primeira imagem foi o teto branco. Logo senti o cheiro de éter. Ouvi aqueles passos pelo corredor, algumas vozes femininas.

Meu sorriso foi perdendo as articulações faciais, até tornar a estaca zero: seriedade sonâmbula. Não havia ninguém na poltrona, mas escuto o chuveiro ligar. Não estou completamente só, constato. Minha garganta estava seca, rocha, e não há saliva na boca, deserto. Forço o momento de levantar, ainda tonto, mil vertigens. Recordo a noite febria e meu sonho, lembro dos anjos. Suponho ter tido a graça divina. Tento ainda mais uma vez levantar ate que sinto a agulha no meu braço. É sempre assim, penso, e vem a vontade de chorar e engulo com o deserto da boca ao estomago.

Meu corpo está mal sentado na cama.

Tudo aquilo vai me contaminado de realidade a cada segundo que passa e a cada sentido sentido. Tento me salvar lembrando novamente do sonho. Mas agora não há mais pureza nas assas dos anjos e a dor dos meus pés é mais forte e temo o calor do sangue escorrendo.

Anjos? O que são anjos, penso com uma revolta nascendo. Que seres são esses? Aberrações! Pombos humanos ou humanos pombos? Fico supresso: não entendo a anatomia e a fisiologia dos anjos. Relembro aqueles monstros voando, rindo de mim, incapazes de me ajudar. Nasce e cresce o ódio dos anjos. Penas brancas, malditas penas brancas! Náusea me consome. Reproduzo o ódio em cada coisa branca do quarto: paredes, teto, lençóis... tudo. Uma vontade de gritar explode em minha boca e rego o chão com o rio do deserto: vômito vermelho, do mar vermelho. O ódio tem a minha face, velhice dos séculos humanos. Teria que matar um anjo, um homem ou um pombo para retornar a minha antiga condição convalescente (covalescente). Preciso de mais sangue por entre o branco e puxo meu braço, a agulha do soro sai. Mais uma vez meu corpo lança sangue.

Vertigem.

Antes do desmaio, antes da entrega, seguro firme no lençol branco que cheira a éter e rasgo imaginando o pescoço do pombo, homem, anjo, mas o sangue que escorre é meu, constato cientificamente em hipóteses confirmadas.
Olhe em volta, não há anjos voando - o sonho acabou.

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