quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
...Não há mais luz.
...Não há mais luz.
Já estava anoitecendo quando tive o pressentimento. Algo como aquilo que os místicos tentam provar que é possível. Algo do tipo que os cientistas tentam provar que é impossível. Um sentimento nascia dentro de mim, dentro da sala. O medo da escuridão. Não bastava a escuridão que eu mesmo carregava nas profundezas de minha pele, ossos e sangue, pois de minha alma já não restava nem a idéia. Pois, tendo eu que carregar a escuridão em mim, agora nascia o medo inesperado de tê-la na minha sala eternamente.
Sentia que ela já estava contaminando meu apartamento lentamente. Entre os depósitos, panelas e armários vazios. Sabia que ela, sorrateiramente, ia domando qualquer luz que entrasse pela vidrasse embasada. Não havia, já há muito tempo, um clarão de sol real. Os vidros sujos não permitiam que puramente o sol recaísse por entre qualquer cômodo do apartamento.
Talvez, então, não deveria ter ficado tão assustado com o pressentimento que nascera em mim, mas a verdade é que fiquei. Fiquei tão assustado, como se nunca tivesse visto a noite.
Já havia dias que não tinha o prazer de acordar em um novo dia. Era sempre o mesmo processo. Acordava com batidas na porta da frente com a voz do dono do apartamento chamando meu nome. Ele já sabia que não era coincidência a minha ausência matinal. Uma vez enloqueci ao escutar o trinco da porta mexendo, era como se ele estivesse entrando. Mas foi apenas um sinal de desespero. Depois, que eu me fingia de morto, esperava que o corredor fingisse de morto, ai eu corria para a rua, sem comer, as vezes com apenas um copo de água da torneira. Gosto de metal na boca. Já fazia dias que não sentia o gosto frio de hortelã das pastas de dentes. A noite, ainda com fome, estava cheio de cobranças da água, do gás, do supermercado e da luz.
Hoje recebi mais uma cobrança da luz e meu pressentimento veio junto com a ela. A cobrança da luz trazia consigo a escuridão. Antes que eles desligassem o interruptor, aquela cobrança lançou naquele fim de tarde a escuridão do universo, aquele manto negro por entre as estrelas.
Terminando de ler a cobrança, nasceu o pressentimento. E sem nenhum ato poético, mas de desespero, como alguém que se afoga, debate-se perdidamente por entre a água a procura de... o que será que procuramos quando estamos prestes a beber toda a água do mundo? ... enfim, sem nenhum ato poético, olhei por entre a vidraça e vi o final do dia já anotecido, mero clarão dourado recoberto pelo cinza do vidro sujo.
Não tinha nenhuma luz acessa, mas mesmo assim, senti quando alguém desligou a fonte de energia. Meu corpo esfriou, uma vertigem, tontura que girou o mundo, eu era o seu epicentro – Mera idolatria de um desesperado, rapidamente pensei e cai na realidade de novo com o apartamento mais escuro do que de costume.
Levantei pela escuridão, pois já estamos dentro da noite, uma noite sem lua. Caminhei por entre o vazio do apartamento escuro e fui provar a mim mesmo que eu estava certo, não havia mais luz. No meu trajeto por entre o infinito, mergulhei dentro das minhas memórias, meus desesperos. Minha mão tateava o nada por entre a escuridão, tremia – medo de escuro renascia agora, depois de tanto tempo. Não tinha a quem chamar e continuei a caminhar pela escuridão. Lembrei de minha mãe e de meu pai. Lembrei de um sonho que um dia tive e que perdeu nas circunstancias da vida. Lembrei daquele dia que abri o envelope e havia o mistério revelado. Lembrei do quanto sofria e de quanto sofri. Talvez o mar seja feito de lágrimas, de minhas lágrimas.
Quando minha mão mirou o interruptor, pude perceber que eu estava recoberto de escuridão. Que eu era agora negro, completamente negro. Não precisava cobrir meus sinais negros por entre a escuridão. Um alívio dentro do medo, eu sou negro, escuridão, sou universo. Mas já não havia alma dentro de mim para expandir com a revelação. Veio à minha memória aquele dia, depois de ir ao mar, o médico, a boca do médico, as palavras mudas, os segundo do mundo mudo. Toquei o interruptor, o clic ecou pelo meu infinito.
Sabia que não havia mais luz, agora estava provado, cientificamente provado, como todos os exames feitos. Não há mais luz...
Retornei para algum lugar da sala e fui ao chão.
Retornei para algum lugar do infinito, como a escuridão entre duas estrelas.
Minha barriga doía, junto com os braços, pernas, cabeça. Eu era uma dor só, quase uma explosão antes da existência das coisas. Talvez eu explodisse. Mas se eu explodisse, se eu fosse uma pré-big-bang queria estourar perto de Deus, entre a virília de Deus. Ou estourar no meio do Olímpio. Contudo, ou com-nada, eu não era uma bomba, eu era apenas um alguém dentro de um apartamento na escuridão.
Pensei de como seria mais fácil pra mim se não nascesse mais o sol, se amanha quando os olhos abrissem, ainda estivesse a noite sem lua e todos estivessem na escuridão. Assim, eu não teria o que temer, pois seriamos completamente iguais, todos os homens e mulheres, sadios ou doentes, todos seriamos um fragmento de nada por entre a escuridão.
Minhas mãos se uniram, fortemente. Senti a ponta dos dedos latejarem. Era o resto de vida pedindo liberdade. Levantei decidido, fui perdidamente a cozinha. Tateei mais uma vez, agora a procura de algo na pia. Derrubei um copo, senti os cacos tocarem minha perna. Algo quente escorria, era sangue. Era a vida ganhando liberdade. Comecei a procurar um pedaço útil desse copo pelo chão e encontrei o ideal, ele me cortara no mesmo segundo que o encontrará. Estava tão decidido que mesmo com a penetração da ponta, meu instinto não hesitou. Segurei firme, firmemente. Cortava agora a palma de minha mão. Sentia calor brotando de mim, era a vida. Contagem regressiva para a explosão. Primeiro o pulso esquerdo... lembrei de que não havia mais luz, mais uma vez. Depois o pulso direito.
Explosão.
Big-Bang em seu avesso.
Não queria chorar, pois não era poesia. Mas as lagrimas sediam, porque lembrei
daquele sonho que não tinha mais. Lembrei que cada parte de mim, pura e ruim, era circunstancia. Lagrimas por mim que sem poesia ficava a cada segundo eternamente mudo. O mar em algum lugar, pra algum cientista era constatado: ele é feito penas de água salgada. Em algum lugar, um alguém morria afogado e se debatia procurando uma sereia que o salvasse. E dentro do apartamento escuro, eu me tornava escuridão, esvaziando do vermelho tom cruel que ainda tinha dentro de mim.
Agora realmente não há mais luz.
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
SOBRE OS ANJOS
SOBRE OS ANJOS
Quando acordei e antes de abrir os olhos, em um pequeno intervalo de tempo, entre o verdadeiro despertar, senti uma felicidade imensurável. Talvez antes de acordar meu rosto já sorrisse. Nesse momento intercalar, entre dois mundos distintos, me sentia tão feliz.
Foi por causa do sonhe que tive durante o meu sono.
Sonhei que anjos voavam sobre minha cabeça em um ritual hipnótico. Anjos de todas as cores, brancos, negros, azuis, amarelos... Eles riam muito e eu ria muito por causa deles. Eles me contaminavam com tanta alegria, era uma alegria infantil, daquelas de recém nascido. Os sons daqueles sorrisos perpetuavam por todo o imenso céu dourado. Em assas brancas, puramente brancas, eles sorriam pra mim. Eu fiquei tão encantado em olhar para cima que não me encomodava com o que acontecia com os meus pés. Não sei ao certo porque não olhei para baixo em nenhum momento. Ma sentia como se eu estivesse sobre cacos de vidro ou espinhos. Muitas pontas penetravam nos meus pés. O incomodo apenas fazia com que eu pulasse cada vez mais alto e ampogasse cada vez mais os anjos a girar mais rápido e a rirem cada vez mais alto.
Antes de despertar, lembro da última cena: estava exausto de pular e da dor, embriagado pelo o vôo hipnótico dos anjos e seus risos infantis. Mas juntei toda a minha força que restava e saltei o mais alto que o impossível permitia e eles deram o riso mais alto que conseguiam, um riso que misturado virou um imenso grito.
Despertei, mas sem abrir os olhos. E sorri. E pensei como é bom sonhar com anjos e suas imensas assas brancas, puramente brancas, gloriosamente brancas.
Com os olhos abertos, a primeira imagem foi o teto branco. Logo senti o cheiro de éter. Ouvi aqueles passos pelo corredor, algumas vozes femininas.
Meu sorriso foi perdendo as articulações faciais, até tornar a estaca zero: seriedade sonâmbula. Não havia ninguém na poltrona, mas escuto o chuveiro ligar. Não estou completamente só, constato. Minha garganta estava seca, rocha, e não há saliva na boca, deserto. Forço o momento de levantar, ainda tonto, mil vertigens. Recordo a noite febria e meu sonho, lembro dos anjos. Suponho ter tido a graça divina. Tento ainda mais uma vez levantar ate que sinto a agulha no meu braço. É sempre assim, penso, e vem a vontade de chorar e engulo com o deserto da boca ao estomago.
Meu corpo está mal sentado na cama.
Tudo aquilo vai me contaminado de realidade a cada segundo que passa e a cada sentido sentido. Tento me salvar lembrando novamente do sonho. Mas agora não há mais pureza nas assas dos anjos e a dor dos meus pés é mais forte e temo o calor do sangue escorrendo.
Anjos? O que são anjos, penso com uma revolta nascendo. Que seres são esses? Aberrações! Pombos humanos ou humanos pombos? Fico supresso: não entendo a anatomia e a fisiologia dos anjos. Relembro aqueles monstros voando, rindo de mim, incapazes de me ajudar. Nasce e cresce o ódio dos anjos. Penas brancas, malditas penas brancas! Náusea me consome. Reproduzo o ódio em cada coisa branca do quarto: paredes, teto, lençóis... tudo. Uma vontade de gritar explode em minha boca e rego o chão com o rio do deserto: vômito vermelho, do mar vermelho. O ódio tem a minha face, velhice dos séculos humanos. Teria que matar um anjo, um homem ou um pombo para retornar a minha antiga condição convalescente (covalescente). Preciso de mais sangue por entre o branco e puxo meu braço, a agulha do soro sai. Mais uma vez meu corpo lança sangue.
Vertigem.
Antes do desmaio, antes da entrega, seguro firme no lençol branco que cheira a éter e rasgo imaginando o pescoço do pombo, homem, anjo, mas o sangue que escorre é meu, constato cientificamente em hipóteses confirmadas.
Olhe em volta, não há anjos voando - o sonho acabou.
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